terça-feira, 1 de novembro de 2011

Cinderela

Trancada em casa, a sete chaves,
Junto a chama morna do fogão,
sempre limpando e cozinhando.
O sol lá fora brilha sozinho,
iluminando a figura suja de pó e de borra,
que observa à olhos tristes o vento balançando as folhas do lado de fora.

A saudade, o peito toma,
E a vontade de viver reprimida queima dentro de si,
A vontade de gritar como um nó na garganta.
Cansada de sempre fitar os próprios pés,
de ser tratada com desprezo.
Muito tempo para pensar, nada a concluir.
Eternamente Cinderela.

Ventos mudaram a rota,
as águas mudaram de curso,
o sol se escondeu atrás das nuvens tantas vezes.
Passaram-se as primaveras e os verões.
Outono e inverno se foram mais de uma vez.

Solta nos braços da liberdade,
agora dona de si só,
Sentindo o sol queimar a pele,
sentindo o toque dos amores seus sem nada temer.
Mas são poucas as horas ao silêncio,
poucas as horas que pode esconder teus medos, agora outros,
atrás das páginas finas dos poucos livros que ocupam a estante.
Falta-lhe o aconchego das cobertas,
essas agora pesam-lhe quilos nas costas.
Sossego para sentar-se a varanda,
cuidar do próprio lar, jamais.
Tudo tão artificial.

A mente cheia do trabalho, cheia das reuniões,
dos toques incessantes do aparelho junto a escrivaninha,
Cheia da liberdade.
Presa no novo mundo. Escrava do capital.
Pouco tempo para pensar, muito a concluir.
Eternamente Cinderela.